terça-feira, 5 de outubro de 2010

De Armas em Punho - Escrito por Renato Prata Biar



Ter, 05 de Outubro de 2010 21:31
De Armas em Punho 
       São diversos os e-mails que estão rodando por aí, que se propõem a contar a história da Dilma Rousseff. O conteúdo é geralmente o mesmo: tenta colocar a candidata do PT à presidência como criminosa, terrorista, etc. Esse artigo, porém, não é em defesa da Dilma, mas em defesa de todos aqueles que lutaram de armas em punho contra a Ditadura Militar no Brasil no período de 1964 à 1985.
        Para começar, devemos lembrar que o Golpe Militar de 64 depôs um governo que foi eleito democraticamente por voto livre e direto. As mudanças propostas por João Goulart: reforma agrária, reforma tributária (o imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal), reforma educacional visando erradicar o analfabetismo, reforma constitucional para ampliar o direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente, etc., tinham como regra serem implementadas pelas vias legais e democráticas. Porém, como eram mudanças que contrariavam os interesses da elite brasileira, Jango foi retirado do poder pelas armas, pela truculência e, o mais importante, pela via ilegal e inconstitucional. A Constituição foi rasgada (entraram em cena os Atos Institucionais) e o presidente João Goulart foi deposto sem que tivesse cometido um único crime ou qualquer outra ilegalidade.
        O que isso significa? Significa que aqueles que deveriam ser considerados como criminosos, terroristas e bandidos são exatamente aqueles que aplicaram o golpe e instauraram uma ditadura, pois foi essa matilha fardada que agiu à margem da lei e, como sabemos, todo aquele que age à margem da lei não é outra coisa senão um marginal. E como eram muitos, deveriam ser enquadrados também em formação de quadrilha.
        Além disso, a instauração da ditadura significou a impossibilidade de uma luta política sem a alternativa das armas, pois os mecanismos que possibilitam uma disputa pelo poder sem o uso da violência foram banidos e extintos pelos próprios golpistas: partidos políticos e direitos políticos extintos, pessoas que representavam uma oposição à ditadura foram cassados, exilados, torturados e mortos, censura aos meios de comunicação e as artes e tantas outras barbaridades que fica impossível enumerar todas. Tudo isso é muito mais do que apenas uma justificativa para a luta armada, isso é, na verdade, algo que legitima de forma inconteste a opção pelo confronto armado, pois a finalidade dessa forma de luta foi exatamente restabelecer a democracia e suas instituições pertencentes ao aparato de Estado, que foi tomado de assalto pela matilha fardada. Eles se utilizam do exército, das armas e da violência para acabar com a democracia, mas não aceitam e nem admitem que outras pessoas se utilizem desses mesmos artifícios para restaurar essa mesma democracia destruída por eles. Essa é a nossa elite: cínica, mentirosa, violenta e patética.
        Acusar Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Toledo, Osvaldão, Zequinha e tantos outros conhecidos e anônimos (que doaram suas vidas para que hoje possamos ter um pouco mais de liberdade e direitos) de terroristas e bandidos é, para dizer o mínimo, uma estupidez; pois o Exército existe para defender a soberania e a liberdade do seu povo e não para oprimi-lo. E foi exatamente por perceber que as Forças Armadas estavam sendo utilizadas com fins de oprimir e estabelecer um sistema ditatorial e tirânico, que eles tomaram a atitude de se rebelar contra aqueles déspotas e contra aquela ditadura covarde, assassina e terrorista. Aliás, uma belíssima descrição sobre o que é a burguesia latina americana - e que nos faz entender melhor o contexto de tudo isso - nos foi dada por Florestan Fernandes em seu livro, Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. Diz ele:
 "Em suma, ao mesmo tempo em que perdem as condições materiais para desempenhar suas tarefas mais criadoras, as burguesias dependentes se vêem forçadas a intensificar, em todos os níveis, o seu egoísmo de classe e se apavoram diante da luta de classe. [...] Sua margem de barganha com os estratos divergentes das classes médias e, principalmente, com as classes trabalhadoras e a massa da população pobre é tão reduzida que elas possuem um baixíssimo nível de cooptação - tendo assim que compensar a sua própria fraqueza por meio de formas tirânicas de repressão e de opressão. Como conseqüência ‘natural', o seu impulso reformista é quase nulo e sua propensão a proteger-se através do imperialismo e de suas técnicas policiais ou militares (...) é muito alta."
        Ao entendermos isso, entendemos também que é a luta de pessoas como essas, que foram citadas acima, que honram e fazem jus ao trecho do Hino Nacional em que se diz: "verás que um filho teu não foge à luta...". Eles fizeram muito mais do que simplesmente não fugir: eles lutaram até o fim. A todos esses heróis, conhecidos e anônimos, que nos premiaram com seus exemplos de coragem e de amor pela liberdade e pelo povo brasileiro, meu agradecimento e minha reverência.



              Renato Prata Biar; Historiador e Pós- Graduado em Filosofia; RJ.

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