segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Absolutismo na França

Formação do estado nacional francês

Vitor Amorim de Angelo
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
O absolutismo vigorou na França entre os séculos 16 e 18, período conhecido como Antigo Regime - ou Ancien Regime, para os franceses. Trata-se de uma longa fase da história monárquica francesa, dominada em sua maior parte pela dinastia dos Bourbon.

O ápice do absolutismo francês ocorreu sob o reinado de Luís 14, o Rei Sol. Seu extenso governo foi o modelo acabado do Antigo Regime francês, tendo influenciado outras monarquias europeias, suas contemporâneas.

Fortalecimento do poder real

A Guerra dos Cem Anos, conflito que opôs França e Inglaterra entre 1337 e 1453, contribuiu para a consolidação do poder do monarca francês, na medida em que garantiu um dos elementos centrais da formação do Estado-Nação moderno: a constituição de um exército permanente.

No final do século 14, a França já havia se constituído também num amplo território nacional, deixando para trás o passado feudal e as divisões que a caracterizaram ao longo do período medieval. Ao mesmo tempo, as finanças tinham sido centralizadas, os impostos estendidos à nação e a burocracia estatal, formada. Diante desse cenário, novos conflitos militares - dessa vez contra a Espanha e a Áustria - contribuíram para fortalecer ainda mais o poder do monarca.

Na transição do período medieval para o moderno, a dinastia que reinava na França era a dos Valois. Foi sob o reinado dos Valois que a França viveu um dos momentos mais importantes desse período: as chamadas guerras de religião, ocorridas ao longo do século 16, entre católicos e protestantes franceses - estes conhecidos como huguenotes.

Embora, num primeiro momento, essas guerras tenham enfraquecido o processo de centralização política, em razão das consequências que uma guerra civil poderia ter para a unidade do reino francês, os conflitos religiosos acabaram servindo para fortalecer o poder central, processo visto como necessário para encerrar as divisões religiosas.

Teóricos do absolutismo francês

A Guerra dos Cem Anos e as guerras de religião foram eventos importantes na transição francesa do período medieval para o moderno - e em sua constituição como estado nacional.

Mas, paralelamente a isso, houve também um processo de justificação teórica da centralização do poder nas mãos do governante, paralelamente à formação do próprio estado-nação francês. Foram dois os principais teóricos do absolutismo na França: Jean Bodin e Jacques Bossuet.

Em meados do século 16, Bodin, tido como o primeiro teórico do absolutismo, publicou um livro que ficaria famoso pela discussão do tema da soberania, chamado Six Livres de la République.

Para Bodin, a soberania era um poder indivisível. Na qualidade de soberano, o rei não poderia partilhar seu poder com ninguém nem estar submetido a outra instituição. Mas havia uma ressalva: embora não se encontrasse submetido nem mesmo às próprias leis que formulava, o soberano estava abaixo da lei divina, numa concepção que mesclava religião e política. Note-se que Bodin viveu na mesma época em que ocorriam as guerras de religião na França.

Bossuet conservou a teoria de Bodin acerca da soberania, acrescentando-lhe elementos novos, também como consequência da mistura entre religião e política. Sua obra mais importante a respeito foi A política tirada da Santa Escritura, publicada postumamente, em 1709.

Segundo Bossuet, o regime monárquico era sagrado, justo e paternal. O rei, como representante de Deus, governava com justiça, mantendo uma relação paternal para com os súditos - considerados seus filhos, conforme a teoria de Bossuet. Trata-se de uma explicação que reforçou o papel do rei na sociedade e a legitimidade do poder de que este dispunha.

Luís 14, o Rei Sol

Se a França serviu de inspiração a outros regimes absolutistas, o reinado de Luís 14 foi seu tipo mais acabado. Também conhecido como Rei Sol, Luís 14 governou a França entre 1643 a 1715, período em que promoveu mudanças na economia, na política, no exército e nos costumes franceses.

Nos primeiros anos de seu reinado, Luís 14 permaneceu sob a regência de sua mãe, a rainha Ana de Áustria - viúva de Luís 13, morto em maio de 1643.

Luís 14 assumiu o trono em 1651, aos 13 anos. De 1661 até o final de seu reinado, governou sozinho a França, sem nomear um primeiro-ministro, como era o costume. Exerceu de maneira centralizada suas prerrogativas reais, associando sua figura a imagens míticas, como a do Sol.

Luís 14 foi um dos maiores exemplos de rei absolutista, não apenas pelo grande poder que exerceu, mas por toda a organização político-social que construiu em torno de si mesmo. Talvez por isso se explique a famosa frase atribuída a ele, e que tão bem representa o espírito do absolutismo: L'État c'est moi - o Estado sou eu.
* Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é pesquisador do Institut d'Études Politiques de Paris.
 

Absolutismo na Inglaterra

Modelo mesclou centralização política e controle do parlamento

Vitor Amorim de Angelo*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Reprodução
No reinado de Elizabeth 1ª, filha de Henrique 8º, houve o desenvolvimento da frota naval inglesa
Atualizado a 04/08/2010, às 13h57.

O absolutismo vigorou na Inglaterra entre os séculos 16 e 17, sendo os reinados de Henrique 8° e Elizabeth 1ª os mais importantes desse período.

Em contraste com o absolutismo francês, na Inglaterra os conflitos religiosos levaram ao enfraquecimento do monarca. Além disso, desde o século 13 já existia uma constituição na Inglaterra - portanto, mais de 500 anos antes de a primeira carta magna francesa ser aprovada. A constituição inglesa previa quais eram as prerrogativas do rei e qual o papel do parlamento.

Embora o soberano tivesse seu poder limitado pela atuação do parlamento, esse fato não impediu a emergência do absolutismo na Inglaterra. Mas, de forma muito particular, em virtude da existência de um parlamento que legislava, por exemplo, sobre questões fiscais e religiosas - o que não ocorria na França na mesma época -, o modelo que existiu ali mesclou a centralização política na figura do rei com a descentralização do poder.

A derrota na Guerra dos Cem Anos

A Inglaterra perdeu a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) para a França, o que lhe custou o enfraquecimento da monarquia, de seu exército e uma grave crise econômica, decorrente dos gastos de um conflito militar tão longo.

À Guerra dos Cem Anos seguiu-se uma disputa em torno do trono inglês, chamada de Guerra das Duas Rosas (1455-1485). Em meados do século 16, a Inglaterra era governada por Henrique 6°, da dinastia Lancaster.

Em 1461, o rei foi deposto por Eduardo 4°, da casa de York. Este governou a Inglaterra por cerca de 9 anos, quando Henrique 6° tornou a assumir o trono inglês, embora brevemente. Já em 1471, com sua morte, Eduardo 4° voltou ao poder, governando até 1483. Foi substituído por Eduardo 5°, que reinou por alguns meses apenas, e por Ricardo 3°, até seu falecimento em 1485. Com o apoio da dinastia de Lancaster, que havia sido tirada do poder pelos York, Henrique 7°, da casa de Tudor, foi coroado rei. Este se casou com Elizabeth de York, filha mais velha de Eduardo 4°, unificando os grupos rivais e, assim, encerrando a Guerra das Duas Rosas.

Henrique 8° e Elizabeth 1ª

O casamento de Henrique 7° pôs fim a um conflito interno que durou mais de três décadas e enfraqueceu a nobreza da Inglaterra. O herdeiro do trono, Henrique 8°, coroado em 1509, é considerado o primeiro e um dos mais importantes reis do período absolutista inglês.

O fortalecimento da monarquia sob o governo de Henrique 8º é sempre associado à reforma religiosa ocorrida na Inglaterra por volta de 1530 - que deu origem à Igreja Anglicana. Até então, a Igreja Católica sempre teve grande influência política e poder econômico no país, sendo, inclusive, proprietária de inúmeras porções de terra.

Durante o reinado de Henrique 8° esse cenário modificou-se radicalmente. Foram vários os fatores que levaram à reforma: o rei buscava esvaziar o poder papal na Inglaterra; a nobreza tinha interesse nas grandes extensões de terra pertencentes à Igreja; o monarca desejava usar essas propriedades como moeda de troca pelo apoio político da nobreza no parlamento. Por fim, questões pessoais, ligadas à negativa do papa em autorizar Henrique 8° a se separar de sua esposa, como era do interesse do rei, foram o estopim para a reforma. O rei se tornou o chefe da Igreja na Inglaterra, ao invés do papa.

Pouco mais de uma década separou o governo de Henrique 8° do de Elizabeth 1ª. Nesse intervalo, a Inglaterra teve dois reis coroados: Eduardo 6° e sua irmã paterna, Maria 1ª - esta, filha de Henrique 8° com Catarina de Aragão, de quem o rei quis se separar, como de fato o fez após a reforma.

Eduardo deu continuidade à política religiosa de seu pai, que foi interrompida por Maria 1ª. Filha de espanhola - e casada, à época, com Felipe 2º, rei da Espanha, país de maioria católica -, a rainha perseguiu os protestantes ingleses, naquilo que representou um breve revés à reforma anglicana.

Com sua morte, em 1558, Elizabeth 1ª, filha do segundo casamento de Henrique (o rei teve seis esposas), foi coroada rainha. Seu governo representou a consolidação da reforma e o fortalecimento do poder real. Ao mesmo tempo, implementou uma política econômica fundamentada no mercantilismo, estimulou o desenvolvimento da marinha inglesa (tal como fizera seu pai) e iniciou a colonização da América do Norte.

Foi no governo de Elizabeth também que ocorreu o chamado "cercamento". As terras passaram a ser utilizadas como pasto para ovelhas, de onde se obtinha a lã, matéria-prima para a manufatura de tecidos. Os camponeses expulsos das terras migraram para as cidades, num movimento que está na origem da Revolução Industrial.

Revolução Gloriosa

Sem herdeiros diretos, a morte da rainha, em 1603, abriu uma longa crise política, que se estendeu por mais de oito décadas. Nesse período, a Inglaterra teve inclusive uma curta experiência republicana. Além da mudança de dinastia (de Tudor para Stuart), outro aspecto marcante desse período foi o fortalecimento da burguesia nacional e o aumento das tensões sociais provocadas pelo crescimento das cidades, consequência dos cercamentos.

Golpes, ditadura, restauração política - tudo isso fez daquele período uma fase extremamente agitada, que só foi encerrada no final do século 17, com a Revolução Gloriosa. Era o fim do absolutismo e o começo da monarquia constitucional na Inglaterra.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é pesquisador do Institut d'Études Politiques de Paris.

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