Por que é difícil acabar com o crime da mutilação genital?
Vários dias depois, a menina de 9 anos continua com as pernas amarradas para cicatrizar |
Foi o que a enfermeira brasileira Kelly Cavalete Cardoso, 29 anos, presenciou em 2007, quando passou seis meses na Somália trabalhando para a organização Médicos Sem Fronteiras. “Na região onde atuei, todas as meninas são submetidas à circuncisão tipo III, que é a infibulação. Normalmente, ocorre entre os 5 e os 7 anos e é realizada em casa pela avó. Também existem mulheres especializadas em executar esse tipo de mutilação dentro da comunidade, e algumas famílias preferem recorrer a essas senhoras.” A enfermeira conta que os cortes eram realizados com tesoura ou faca e as suturas com agulhas de costura. “Em alguns casos, as vaginas se fecham de tal maneira que, após o casamento, o marido acaba abrindo o orifício vaginal com algum instrumento cortante para poder manter relações sexuais.” São histórias de horror que, para a população local, se repetem como mais um fato “natural” da vida, segundo os relatos ouvidos por Kelly. “Dificilmente se questiona ou se comenta sobre a possibilidade de não fazer (a circuncisão). É algo realizado há muito tempo e as pessoas nem sequer compreendem o porquê, simplesmente o fazem. Há descontentamento por parte de algumas jovens, mas está longe de ser uma revolta”, avalia a enfermeira. Daí a importância de vozes como a da ex-modelo somali Waris Dirie, uma vítima que transformou a própria dor em causa. Aos 5 anos, Waris foi submetida à mutilação genital, supostamente para garantir um futuro casamento. Aos 13, prometida a um homem muito mais velho, fugiu para a Europa, onde foi descoberta por um olheiro e tornou-se modelo. A fama não apagou as marcas do passado: tornou-se embaixadora das Nações Unidas pelo fim do corte genital e escreveu um livro sobre a própria história, Flor do Deserto (Ed. Hedra), que acaba de virar filme (leia entrevista na próxima página). Mas essa não é uma causa apenas dela. É preciso que seja uma luta de todas as mulheres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário