segunda-feira, 28 de março de 2011

'Vou sentir saudade. Não vou parar', diz a professora Rita de Cássia Farret

POR MARIA LUISA BARROS
Rio - A professora mais antiga em atuação no Ensino Fundamental do Brasil é a diretora do Ciep Adão Pereira Nunes, unidade estadual em São Gonçalo, Região Metropolitana. Rita de Cássia Faria Farret, 69 anos, dedicou 51 ao magistério.

Foto: Fernando Souza/ Agência O Dia
Semana passada, teve o trabalho reconhecido. Recebeu da presidenta da República, Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, a medalha da Ordem Nacional do Mérito por ter contribuído para melhorar a educação brasileira. “Recebi com surpresa. Não imaginava ser homenageada perto da aposentadoria”, conta a pedagoga. Em janeiro, a professora será obrigada a se aposentar por idade. “Vou sentir saudade. Não vou parar. Tem muita criança precisando de amor e carinho”.

ODIA: Para a senhora, o que mudou na educação pública em cinco décadas?
RITA DE CÁSSIA: – Trabalhei em um tempo em que a escola não tinha nada. Eram humildes. Não havia verbas, nem serventes. Eu mesma fazia a limpeza com os alunos. O ensino era de qualidade, e os pais, interessados. Com o tempo, as escolas melhoraram, passaram a receber verba para merenda, funcionários, computadores. Mas as famílias se distanciaram. Hoje, os pais entregam seus filhos e acham que a escola é responsável pela criança. Às vezes, o aluno chega com febre e nós temos que providenciar atendimento médico. O ensino só vai voltar a ser bom quando conseguirmos resgatar as famílias.

Com todas as dificuldades do magistério, a senhora não pensou em parar?

Nunca quis parar, amo o que eu faço. Aprendi com a minha mãe, professora, e meu pai, funcionário público, a importância da filantropia. Nas minhas orações, sempre pedia que enquanto tivesse forças gostaria de me dedicar aos alunos. Nunca desacreditei da educação.

Por outro lado, os jovens já não se interessam mais pela carreira?
O magistério é uma carreira de amor e doação. Tem que estar vocacionado. Quase não tirei férias e vou me aposentar sem ter tirado licença especial. Quem escolhe a profissão tem que ter consciência de que não vai enriquecer. Terá salário para sobreviver. Tem que ter comprometimento. Se não, é melhor procurar outro emprego.
Lidamos com humanos. Temos compromisso com a sociedade, de formar pessoas de bem. O governo está valorizando o professor e dando oportunidade a quem quer estudar. A medalha é prova disso.

Segundo o Ministério da Educação, a senhora contribuiu para a inclusão social de estudantes de baixa renda e com necessidades especiais.
Nunca rejeitei matrícula. Olhei a carência do aluno. Fazia festas, angariava fundos para comprar uniformes, merenda, gás, material. Se tínhamos um aluno com deficiência visual, usava a verba da escola para comprar óculos. Pagava tratamento dentário.Tive um aluno cego que me levou a entender o braile para corrigir exercícios. Depois minha mãe perdeu a visão. Agradeci a Deus por ter me preparado me dando um aluno especial, que hoje é orientador educacional.

Que lembranças marcaram sua trajetória?
Lembro de um senhor de 60 anos com vontade de ser alfabetizado para ler a Bíblia. Antes de ir à escola, eu pegava massa de pão para ele desenvolver o controle motor das mãos. Ele realizou o sonho.

Que desafios a senhora enfrentou como diretora?

Em 1995, assumi o Ciep Mário José Corrêa, com capacidade para mil alunos, e menos de 100 matriculados. A falta de alunos era motivada pelo preconceito de que o horário integral era para pobre, favelado, órfãos e filhos de marginais. Conseguimos cursos profissionalizantes. No Ciep 413 Adão Pereira Nunes, há capoeira, banda, xadrez. Pelo projeto ‘Escola Além Muros’, alunos foram ao Museu Imperial, em Petrópolis, ao Jardim Botânico, Museu de Arte Contemporânea, em Niterói.

Por lei, a senhora terá que se aposentar ano que vem, aos 70 anos. Como será?
Vou sentir saudade e continuar fazendo filantropia. Estarei à disposição da educação. Tem muita criança precisando de amor e carinho.
 

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