quinta-feira, 1 de abril de 2010
Benedita e o modelo de inclusão subalterna
A derrota da ex-governadora Benedita da Silva, nas prévias do PTcarioca no último domingo (28/03), nas quais o prefeito de Nova Iguaçue ex-presidente da UNE, Lindenberg Farias, foi escolhido candidato aoSenado, não tem a dimensão que se procurou dar em certos círculos domovimento negro carioca e brasileiro. Faz tempo que a ex-governadora, ex-senadora, ex-ministra e atualsecretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Riofaz tudo o que seu Partido manda e determina, mesmo em detrimento dasua própria história e biografia e ao que possa ter representadoalhures. Benedita tornou-se uma representação simbólica de si mesmo. Símbolos,como se sabe, tem papel e função. Foi assim, quando - sob as ordens doseu Partido e do chefe do seu grupo político, o ex-ministro JoséDirceu - negociou ser vice do ex-governador Anthony Garotinho, o mesmoque disse que o PT era o "partido da boquinha", para barrar acandidatura do ex-líder estudantil Wladimir Palmeira, a quem Dirceucombate desde a longínqua passeata dos 100 mil, em 1.968. Como prêmio, tornou-se governadora tampão. O ministério da Assistência Social, no primeiro governo Lula, da qualseria defenestrada rapidamente, sem qualquer cerimônia, por ter ido,como evangélica, a um culto de sua denominação em Buenos Aires, comdinheiro público, foi outro prêmio de consolação. Saiu da Esplanada como entrou: sem ser notada. Também não se temnotícia de qualquer ato, qualquer ação, qualquer gesto seu, em favorde quem, em tese, deveria representar, e em nome de quem - igualmente,em tese - deveria falar: os homens e mulheres negras, desvalidos edesamparados pelo Estado brasileiro. O prêmio de consolação pelo excesso de subalternidade foi a Secretariade Assistência Social e Direitos Humanos, do Rio, onde exerce funçãodecorativa e simbólica porque, a não ser para fotos, nunca ninguém aviu ter uma atitude em favor e em defesa de negros vítimas de abusos eviolência sem conta, como no caso dos meninos entregues por soldadosdo Exército para serem mortos sob tortura pelo tráfico. O episódio, que fez com que o ministro da Defesa, Nelson Jobim,viajasse ao Rio para fazer marketing, numa mea culpa falaciosa eforçada, não teve da ex-governadora um posicionamento que fosse, umadeclaração a favor das vítimas e das famílias. Enquanto Jobim subiamorros para “solidarizar-se” farisaicamente com mães com corações ealmas em frangalhos por verem seus filhos brutalmente assassinados, deBenedita, não se ouviu - mais uma vez - um gesto que fosse. A derrota da ex-governadora, portanto, é dela mesma e do que passou arepresentar: o modelo de inclusão subalterna que reserva aos negros,“puxadinhos”, em troca de migalhas. Nem a ex-governadora, nem os expoentes desse modelo são ingênuos ouinocentes. Seu papel é este mesmo: posar para fotos, participar deeventos e cerimônias, entregar congratulações regularmente, em trocade cargos simbólicos, honrarias precárias, carros oficiais que lhesdão acesso a Palácios e aos círculos do Poder. A contrapartida que as elites dominantes exigem para quem se presta aopapel é que virem as costas às suas origens e histórias. É como sedissessem: “só você entra e o seu papel é sinalizar para os demaisque, como você já entrou, todos já estão representados e não nosimportunarão mais com políticas de ação afirmativa, cotas ereivindicações do tipo“. Como se vê, não há inocência; há acordo com vantagens e contrapartidaspara ambas as partes. Não há sutilezas, nem disfarces. Todos sabem que papel terão quandoaceitam, e o aceitam de bom grado, a contrapartida: as migalhas quechegam ao "puxadinho"; os restos da mesa farta à qual não tem acesso.A derrota da ex-governadora é - em tudo e por tudo - a derrota dessetipo de modelo. Depois de domingo, muito provavelmente Benedita terá outro prêmio deconsolação, que aceitará de bom grado, como sempre fez e continuaráfazendo. Mascararão a submissão costumeira com marketing: seráconvidada, por certo, para algum cargo honorífico - simbólico, sempre. O que chama a atenção no caso, nem é tanto a farsa de um modelo deinclusão que reserva aos negros o espaço do simbólico e escolhe seusrepresentantes dóceis, a quem premia com cargos e sinecuras, em umpaís em que estes representam 50,6% da população brasileira. É a forma com que lideranças honestas e bem intencionadas reagem aoóbvio, com declarações carregadas de um tom vitimizado na linha do:“vejam:mais uma vez, o Partido, mais uma vez, os racistas fizeram nósde bobos, nos usaram...”. Na tentativa de buscar culpados não se dão conta de que osresponsáveis pelo logro e pela farsa não estão do lado de lá - mas,provavelmente, bem aqui ao nosso lado. Dariam uma bela contribuição ao futuro e às novas gerações seentendessem que o fato de Benedita da Silva ser negra, da mesma formaque tantos outros negras e negros notáveis, mas que se prestam a essepapel, não significa que se tornem, automaticamente, representantes decoisa alguma, apenas por conta da notoriedade, ou porque sejam negras. Essa forma despolitizada e conservadora apenas esconde a incapacidadede perceber e entender que freqüentemente tais personagens são apenaso que aparentam: representam a si mesmos, e são o modelo de inclusãosubalterna com o qual desde a Abolição as elites dominantesbrasileiras acenam com mudanças “apenas para que tudo continue comosempre“. São Paulo, 31/3/2010 Dojival VieiraJornalista ResponsávelRegistro MtB: 12.884 - Proc. DRT 37.685/81
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