domingo, 1 de janeiro de 2012

 

CAFÉ HISTÓRIA: Professor, o senhor acaba de lançar Hannah Arendt: pensadora da crise e de um novo início, pela "Civilização Brasileira". Conte um mais sobre esse livro? Como surgiu a ideia e qual a sua principal proposta?


EDUARDO JARDIM: Hannah Arendt pensadora da crise e de um novo início pretende reconstituir o caminho do pensamento da filósofa desde os anos quarenta, período da elaboração de Origens do totalitarismo até seus últimos esforços de elaborar uma teoria do juízo. O livro aborda três momentos deste itinerário.

O primeiro descreve o movimento que vai das pesquisas sobre o totalitarismo, que resultaram no livro de 1951, até a consideração da situação de crise geral da modernidade, de que uma das manifestações é o surgimento dos movimentos totalitários, no século XX. Ao contrário do que pensavam os analistas da época, Hannah Arendt mostrou que o totalitarismo não é a exacerbação de alguma forma de autoritarismo, mas um movimento oportunista que só podia vingar com a quebra das instituições políticas tradicionais. Nos anos 1950, a autora expandiu sua visão da crise contemporânea, que teria resultado de uma série de rupturas que começaram no início do século XVII. Seu diagnóstico do mundo contemporâneo, sob este aspecto, é pessimista. O século XX é chamado de “os tempos sombrios”. Os ensaios reunidos em Entre o passado e o futuro (1961) dão conta deste cenário, em seus vários aspectos.

Em seguida, o livro aborda a compreensão de política de Hannah Arendt. Existem vários modos de ter acesso ao pensamento político da autora. Preferi seguir sua sugestão de partir da visão habitual que se tem da política e, por meio do questionamento dos preconceitos que estão contidos nela, chegar a uma concepção positiva do assunto. Destaquei duas direções do pensamento político da filósofa. Inicialmente, considerei o exame do conceito de ação, presente em A condição humana, que destaca esta atividade como distinta de todas as outras – o fazer e o laborar. Este esforço era indispensável para pensar o tema da dignidade da política, já que a ação é a matéria de que é feita a vida política. Em seguida, abordei a noção de liberdade presente em várias passagens da obra da autora, como o ensaio “Que é liberdade?”, de Entre o passado e o futuro. Para Hannah Arendt, a liberdade é a razão de ser da política. Por este motivo, ele precisou sublinhar sua dimensão política, em um movimento na contramão de uma longa tradição que remonta a Agostinho, que associava a liberdade à vontade individual.

Por último, o livro trata dos assuntos que interessaram Hannah Arendt nos últimos dez anos de vida – as atividades espirituais do homem. Dei importância, em especial, à abordagem das atividades de pensar e de julgar. Procurei indicar que existe uma relação de complementaridade entre estas duas atividades. O pensamento prepara o caminho para o juízo. Ele tem um caráter destrutivo, ao por em questão os preconceitos e hábitos mentais. Nesta medida, ele é fator de instabilidade do nosso estar no mundo e elimina nossas certezas e referências. O juízo vem em seguida. Ele expressa um movimento de aproximação das coisas, ao percorrer um caminho aberto pelo pensamento. Neste momento, o mundo aparece em sua integridade, não mais visto pelo viés de nossos interesses.

Claro que expus, aqui, de forma muito esquemática a trajetória do pensamento de Hannah Arendt. Espero que a leitura do livro convide a considerar toda a sua complexidade.

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