sábado, 3 de agosto de 2013

Sepe: clamor das ruas engrossa o coro por uma educação de qualidade

Por Alessandra Moura Bizoni - alessandra.bizoni@folhadirigida.com.br
Por mais de três décadas, professores e funcionários administrativos, liderados pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), saíram periodicamente às ruas para pedir melhorias no salário do magistério e denunciar o sucateamento das redes públicas. E, desde o mês passado, quando uma onda de manifestações assolou o país, milhares de vozes reforçaram o coro que clama por uma educação de qualidade.

Após um ano à frente da coordenação geral do Sepe, a professora Gesa Linhares faz uma análise dos movimentos que, na sua avaliação, surpreenderam os governantes e trouxeram a educação para o topo da lista das cobranças sociais.

“Se Dilma, de fato, estivesse preocupada com o clamor das ruas, ao invés de falar apenas em royalties — que não são recursos imediatos; representam um volume que não vai entrar agora —, ela teria sinalizado que não vetaria os 10% do PIB para educação. Mas ela não fala disso. E quando fala sobre os royalties do Petróleo, a presidente não afirma que as verbas serão exclusivamente para educação pública. Ela não usa a palavra pública”, observa a sindicalista, ao analisar as medidas apresentadas pela presidente da República como resposta às demandas vindas das ruas.

No momento, o Sepe organiza a categoria contra uma proposta da Secretaria Estadual de Educação, que solicitou ao Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), autorização para oferta de até 20% da carga horária dos cursos de educação básica na modalidade semiprensecial, em caráter experimental, por cinco anos.

Embora a matéria tenha sido retirada da pauta do colegiado, os sindicalistas rechaçam totalmente a perspectiva de adoção do ensino a distância na rede estadual do Rio de Janeiro. “... nós vamos derrubar isso, não vai passar, porque não vamos permitir. Essa é uma leitura distorcida do Plano Nacional de Educação (PNE)...”, avisa a educadora.

De olho no sentimento efervescente, especialmente entre a juventude, o sindicato se prepara para otimizar o uso da internet e das redes sociais. A entidade também orquestra uma onda de cobranças e protestos em diversas redes municipais do Estado do Rio e também na rede estadual de ensino. Por isso, uma nova paralisação tanto dos profissionais da rede municipal do Rio quanto dos educadores da rede estadual foi marcada para o dia 8 de agosto.

Há, inclusive, a perspectiva de deflagração de uma greve na rede municipal do Rio. “Existe um sentimento concreto da rede municipal de decretar, talvez, uma greve, caso não haja reajuste. Se Cláudia Costin e nem Eduardo Paes nos receberem, podemos votar a greve. Temos uma pauta de reajuste de 19% para os profissionais da rede municipal do Rio e o prefeito não sinaliza com nenhuma proposta. Nossa data base é maio”, argumenta a coordenadora geral do Sepe.

Ainda na entrevista, Gesa Linhares convoca docentes já afastados da rede a entrar em contato com o sindicato, pois uma ação judicial garantirá o pagamento da remuneração básica do programa Nova Escola referente ao período de 2000 a 2009 para os profissionais aposentados.

Desde o mês passado, milhares de pessoas tomaram as ruas do Brasil pedindo mudanças, sendo que a educação de qualidade, ao lado da saúde e do fim da corrupção, figura entre as principais demandas. De que forma o Sepe pretende canalizar esse clamor de modo a assegurar melhorias para a categoria?
Gesa Linhares - Para nós, este tem sido um período muito rico. Aparentemente parecia haver uma luta apenas pela redução do preço das passagens de ônibus, mas a juventude, em especial, foi para ruas com uma rapidez de comunicação que preocupou os governantes. A partir dessa reivindicação, que foi um tremendo sucesso, as demais pautas de todos os segmentos da sociedade se somaram a essa luta. Aí surgiram as bandeiras históricas que temos levantado durante toda a nossa trajetória, por um mundo mais justo e um país mais democrático. Começamos nossa luta na clandestinidade. Tivemos sede fechada durante o governo Chagas Freitas. Levamos bombas do governo Moreira Franco. E bombas recentes nos governos Cabral e Garotinho. Já enfrentamos muitas bombas na Alerj, no Palácio Guanabara e mesmo na Prefeitura. Essa história da violência do Estado contra aqueles que lutam, também não é novidade. Por isso dizemos que nós sempre estivemos nas ruas, e essa juventude está entendendo, agora, que se não formos para as ruas, não vamos mudar a política mercadológica privatista desse Estado nas suas três esferas.

E quais reivindicações o Sepe apresentou nessas manifestações?
Não se faz educação de qualidade sem verba pública e exclusivamente para a educação pública. Por isso, nacionalmente, retomamos a cobrança pelos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para serem aplicados exclusivamente na educação pública. Também lutamos contra o processo que se acelera: o de mercantilização da educação pública no país, não só da educação básica, mas também do ensino universitário. Nós, profissionais da educação básica, junto com o Sindicato dos Docentes do Ensino Superior (Andes/SN), que representa os trabalhadores do ensino superior, intensificamos nossas lutas. Se fizermos uma retrospectiva, verificaremos que vitórias, conquistas e mudanças na legislação foram obtidas com o povo nas ruas.

E de que forma a categoria tem se mobilizado?

Em abril deste ano, nós tivemos, em Brasília, o que chamamos de “Espaço Unidade e Ação”: conseguimos reunir 25 mil trabalhadores, representantes dos movimentos populares; os governos, inclusive, não acreditavam que nós faríamos isso. E naquela oportunidade, os temas nacionais eram contra o “Acordo Coletivo Especial*”, que na verdade se propõe a retirar direitos da classe trabalhadora. A princípio, pode parecer que esse projeto só atingirá quem é trabalhador celetista, mas acabará envolvendo o conjunto da classe trabalhadora. Outro eixo central de nossa luta é a derrubada da Reforma da Previdência, aprovada pelos mensaleiros. Outros temas da pauta são a demarcação das terras indígenas e quilombolas e a luta contra a privatização dos hospitais universitários. Nós tivemos manifestações expressivas depois desse ato realizado em abril: a passeata do dia 17 de junho que no Rio de Janeiro reuniu mais de 100 mil pessoas. Foi uma manifestação maravilhosa. Depois, tivemos o dia 20 de junho também com uma participação enorme da sociedade. No dia 27 de junho, que foi desdobramento do ato de abril, também conseguimos colocar nas ruas representações expressivas da sociedade civil organizada, com a pauta nacional, além das categorias que colocaram as suas demandas específicas. E temos também o 11 de julho, como parte do calendário de luta das centrais sindicais, que não acabou. Em agosto, nós estamos propondo outra grande paralisação em função da greve geral que está sendo construída.

Como o Sepe analisa as propostas da educação apresentadas por Dilma Rousseff em resposta às manifestações das ruas, que incluem a destinação dos 100% dos royalties do Petróleo para educação?
Se Dilma e Lula entendessem que educação é um direito constitucional, eles deixariam de pagar os juros da divida externa e a dívida interna, que nós não ajudamos a construir, e priorizariam a educação e a saúde. Dilma, assustada, tentou tirar o foco central da luta pela aplicação dos 10% do PIB já vindo com a história de que concordava com a destinação dos 100% de royalties do Petróleo para a educação. Naquela mesma semana, o Senado Federal colocou em votação, ainda que simbólica, o PLC 41/2013, que quebrava, inclusive, uma proposta da Câmara de seguir na linha de mais investimentos na educação. O PLC 41/2013 do Senado acaba reduzindo a proposta verbal de 100% dos royalties para 53%. Portanto, na nossa avaliação, a Dilma tenta tirar o foco central da aplicação já dos 10% do PIB na educação pública, exclusivamente pública. Se Dilma, de fato, estivesse preocupada com o clamor das ruas, ao invés de falar apenas em royalties — que não são recursos imediatos; representam um volume que não vai entrar agora —, ela teria sinalizado que não vetaria os 10% do PIB para educação. Mas ela não fala disso. E quando fala sobre os royalties do Petróleo, a presidente não afirma que as verbas serão exclusivamente para educação pública. Ela não usa a palavra pública. Temos aí o Programa Universidade para Todos, o ProUni, que retira verbas das universidades públicas para favorecer as universidades privadas. O pacto que Dilma propõe para a saúde e educação não é novo para quem está no movimento sindical. Condenamos esses pactos, que sempre garantem os interesses dos patrões e não da classe trabalhadora. Alertamos os trabalhadores para acompanharem o que está sendo votado em Brasília.

E com relação ao governo estadual e à Prefeitura do Rio de Janeiro, qual foi a repercussão dessa mobilização popular?
O que vemos no Rio de Janeiro é uma mesma moeda com três caras: Dilma, Cabral e Eduardo Paes são figuras de uma mesma moeda que caminha no sentido da privatização da educação. Esse é um debate que classificamos como ideológico, porque todos nós, durante nossa trajetória, participamos de fóruns e debates coletivos para que tivéssemos, de fato, um sistema nacional de educação voltado para a classe trabalhadora; tivéssemos a avaliação como um integrante do projeto político pedagógico das escolas e não como um instrumento para atribuir valores aos salários, como vem sendo feito pelo Governo Estadual e pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Vencemos uma batalha, que foi a incorporação da gratificações do Programa Nova Escola, que quebrava nosso plano de carreira e a paridade com os aposentados. E agora estamos, de novo, com o nosso secretário Wilson Risolia, apresentando gratificações e bônus por desempenho. Percebemos, com o movimento nas ruas, com a categoria organizada, que vencemos nossas lutas, como no caso do Nova Escola. Aí, eles inventam um novo mecanismo para dividir a categoria, estabelecendo o medo — o que classificamos como assédio moral — para vingar seu projeto educacional, cuja lógica é a privatização da escola pública. São economistas na pasta da educação.

A pressão social pode contribuir para que a pauta histórica do Sepe, que exige cinco salários mínimos para os professores e três salários mínimos e meio para os profissionais de educação, seja atendida?
Na linha de Paulo Freire, como acreditamos, adotamos a educação crítica, aquela que permite fazer a leitura do mundo. Quando a educação é crítica, trabalha os conteúdos acumulados pela humanidade, com todas as áreas e disciplinas; consegue fazer a leitura, por exemplo, do que estamos vivendo agora. É impossível arrancarmos vitórias de governos capitalistas neoliberais sem o povo nas ruas. Isso nós temos certeza. A bandeira dessas manifestações, a de educação pública de qualidade, agora, faz parte do discurso de todos. O povo se apropriou das bandeiras da educação e da saúde públicas. Só teremos a possibilidade de vencer as desigualdades sociais de nosso país se tivermos uma educação pública gratuita, laica, democrática de qualidade. A recuperação do Sistema Único de Saúde (SUS) também é um sonho, porque nossas bandeiras têm a ver com o mundo que pensamos, inclusivo, para todos, e não com um mundo em que as pessoas têm valor de dinheiro. Pensamos em um mundo no qual as pessoas lutem por aquilo que acreditem, e não apenas elejam seus representantes, mas fiscalizem o Executivo e o Legislativo. Esse é o papel do povo.

As redes sociais despontaram como instrumento eficaz de mobilização social. De que forma o sindicato utiliza essa ferramenta? Esse tem sido um canal utilizado para conversar com a categoria?
As redes sociais cumpriram um papel fundamental desde que surgiram, quando são utilizadas a serviço do povo. A juventude tem mostrado ao sindicato que só a publicação escrita é insuficiente. Precisamos melhorar a página eletrônica do Sepe, que é vagarosa. Temos que ter um blog mais ágil e um perfil do sindicato no Facebook. É preciso adotar esse sistema em defesa dos interesses da categoria, como uma das formas ágeis de fazer convocação. Os professores da UFRJ fizeram um abaixo assinado contra o secretário Wilson Risolia pelo Facebook, e nós assinamos.

A Secretaria de Educação enviou para o CEE/RJ uma proposta de oferta de até 20% da carga horária da educação básica na modalidade semipresencial. Como o Sepe avalia a medida? Caso seja adotada no Rio, a EAD despontará como solução nacional para resolver a carência de pessoal?

Essa proposta tem a ver com um projeto de educação. Mas nós vamos derrubar isso, não vai passar, porque não vamos permitir. Essa é uma leitura distorcida do Plano Nacional de Educação (PNE), que tramita no Congresso Nacional. Não concordamos com a proposta global desse PNE, que não é o PNE da sociedade brasileira, construído nos Congressos Nacionais de Educação (Coneds). Inclusive, nós temos em construção, no Sepe e com o Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública, a rediscussão do Plano Nacional de Educação. Vamos ter um congresso do Sepe, agora no segundo semestre, e uma das pautas é a retomada da análise do projeto de educação desse país. A ideia é fazer uma analise concreta do que do sistema nacional de educação para que possamos colocar em xeque o que vem acontecendo neste país. Vamos construir, junto com o Andes/SN e outras entidades, como as do movimento estudantil, o Encontro Nacional de Educadores, até o ano que vem. Queremos reunir profissionais de educação de todo o país, estudantes e a sociedade civil organizada.

Os professores da UFRJ lançaram a campanha pedindo o impeachment do secretário. Por que ele não serve para ser secretário de Educação?
Porque o Wilson Risolia acaba seguindo a linha do Sérgio Cabral, uma linha economicista. Nós somos contra a mercantilização da educação, somos contra os empresários determinarem qual é a educação que deve ser implementada. Eles seguem a linha do governo federal: o pacto “Educação para Todos” é isso — são corporações e empresários conduzindo o processo. Nós defendemos uma educação pública gratuita, de qualidade; uma educação crítica que nos conduza ao combate do sistema capitalista. Não dá mais para Risolia continuar à frente da educação. Não podemos aceitar um secretário de Educação que reduz o direito de nossos alunos a uma educação de qualidade. Nas férias do início do ano ele tentou remover os funcionários concursados das escolas para colocar servidores terceirizados. Agora, no recesso de julho, vem com essa proposta de ensino semipresencial.
A Secretaria de Educação argumenta que houve uma salto de qualidade na educação fluminense, que passou da 26º posição para a 15ª no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esse avanço representou, efetivamente, uma melhoria da qualidade do ensino oferecido? Por quê?
Nós não acreditamos nos dados divulgados pelo Risolia. Para nós, são dados maquiados. A grade curricular dos nossos alunos foi reduzida. Os professores de Filosofia e Sociologia, por exemplo, têm um único tempo de aula por semana. Mesmo que os professores se esforcem ao extremo, é impossível oferecer uma educação plena deste modo. O que sabemos é que 49 escolas foram fechadas. Por isso, ele cobra que as escolas sigam metas que não foram construídas pelo profissionais de educação. E atribui gratificação por desempenho. Ele está anunciando que 19 mil professores receberão bônus de desempenho, só que 70% da rede ficam fora: há 75 mil professores na rede. Nós conseguimos vencer o Nova Escola, mas a Secretaria de Educação instituiu a gratificação por desempenho, que quebra o plano de carreiras e penaliza os aposentados. Aliás, ganhamos uma ação importante para os aposentados.

Que ação foi essa?
Diz respeito ao programa Nova Escola. Conseguimos, com vários atos de aposentados, ganhar a ação que lhes confere o direito de receber também o Nova Escola. Conquistamos o patamar mínimo de R$100, a partir de 2009, e essa gratificação foi incorporada ao salário dos aposentados. Essa foi a primeira ação que nós ganhamos. Depois, ganhamos outra ação, que já está na fase de execução. Os aposentados terão direito a receber a remuneração básica referente ao período de 2000 a 2009. Estamos empanhados em localizar os aposentados. Eles devem entrar em contato com o Sepe para receber esse dinheiro. Devem trazer a sua documentação. O processo tem nove mil páginas. Estamos brigando para que haja um cálculo, com os juros.

E para o segundo semestre, o sindicato já planeja novas manifestações?
Fizemos uma assembleia unificada das redes estadual e municipal do Rio de Janeiro, no Teatro Odeon, no último dia 11 de julho. Nesse dia, os profissionais aprovaram uma paralisação para o próximo dia 8. A rede municipal suspenderá suas atividades na parte da manhã, com a realização de assembleia às 10 horas, na sede do América, na Tijuca. À tarde, a paralisação será na rede estadual, que terá sua assembleia a partir das 14 horas, na ACM, no Centro. Existe um sentimento concreto da rede municipal de decretar, talvez, uma greve, caso não haja reajuste. Se Cláudia Costin e nem Eduardo Paes nos receberem, podemos votar a greve. Temos uma pauta de reajuste de 19% para os profissionais da rede municipal do Rio e o prefeito não sinaliza com nenhuma proposta. Nossa data base é maio.

Em junho do ano passado, a atual diretoria assumiu o comando do sindicato. Qual o balanço de sua gestão?
O balanço que queremos fazer dessa gestão, inclusive pelas mobilizações, é no sentido positivo. As redes municipais estão se levantando; estão todas em luta. Inclusive caraterizamos como uma avaliação acertada a definição de que a nossa campanha salarial seria unificada.

*Tramita no Congresso Nacional, o projeto de lei 4.193/2012, que criando o Acordo Coletivo Especial (ACE). O ACE autoriza os sindicatos a negociarem com as empresas acordos coletivos cujas cláusulas desconsiderem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

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