domingo, 15 de abril de 2012

Alguns Poemas de Patativa do Assaré

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Sendo hoje o Dia da Poesia, recolhi alguns trechos dos vários poemas do Poeta da Roça em comemoração do seu ano de centenário. Espero que gostem.Contrariando o que muitos dizem, Patativa do Assaré não foi um homem analfabeto e iletrado. Teve pouco estudo, sim, mas teve também, o raro dom de lidar com as palavras. Possuidor de uma memória incomum, era capaz de dizer todos os mais de mil poemas que escreveu sem errar, ao menos, uma palavra. Quando escrevia, seus versos e rimas irrompiam de sua mente e não precisavam de retoques ou ajustes. Nasciam perfeitos, não careciam de lapidação. Veja sua inspiração nesse soneto abaixo:

O Peixe

Tendo por berço

o lago cristalino,

folga o peixe

a nadar todo inocente.

Medo ou receio

do porvir não sente,

pois vive incauto

do fatal destino.

Se na ponta de

um fio longo e fino

a isca avista,

ferra-a inconsciente,

ficando o pobre

peixe de repente,

preso ao anzol

do pescador ladino.

O camponês também

do nosso Estado,

ante a campanha eleitoral:

Coitado.

Daquele peixe tem

a mesma sorte.

Antes do pleito:

festa, riso e gosto.

Depois do pleito:

imposto e mais imposto…

Pobre matuto do

Sertão do Norte.

Freqüentou a escola por apenas quatro meses, em 1921, mas desde então vem “lidando com as letras”, como ele mesmo afirmou. Atuava como versejador em festas, e quando comprou uma viola, deu-se início à atividade de compositor, cantor e improvisador.

“Não tenho sabença,

pois nunca estudei,

apenas eu sei

o meu nome assiná.

Meu pai, coitadinho,

vivia sem cobre

e o fio do pobre

não pode estudá”

Segundo filho de um agricultor da região do Cariri ficou órfão de pai aos oito anos, passando a trabalhar no campo para ajudar sua mãe e sua família. Escolarizado durante seis meses, quando tinha 12 anos, percebe que seu mestre, embora extremamente generoso e dedicado, era precariamente letrado e não sabia ensinar pontuação. É dessa forma que aprende a ler, sem ponto e sem vírgula.

“Sou filho das matas

cantor da mão grossa

trabalho na roça

deveras o destino.


A minha choupana

é tapada de barro,

só fumo cigarro

de palha de milho.


Meu verso rasteiro

singelo, sem graça

não entra na praça

no rico saloon


Meu verso só entra

no campo e na roça,

na pobre palhoça

da terra ao sertão.”

O poeta Patativa do Assaré canta a fome e a miséria do povo da caatinga e do agreste, permitindo-lhes sonhar e se encantar.

“De noite tu vives na tua palhoça,

de dia na roça de enxada na mão.

Julgando que Deus é um Pai vingativo,

não vês o motivo da tua pressão.


Tu és nesta vida um fiel penitente,

um pobre inocente no banco do réu.

Caboclo não guarde contigo essa crença,

a tua sentença não parte do Céu”

Patativa transitava entre ambos os campos com uma facilidade camaleônica e capacidade criadora e intelectual ainda não totalmente compreendidas pelo meio acadêmico.

“Pobre agregado, força de gigante

escuta amigo o que te digo agora.

Para saíres da fatal fadiga

do horrível jumo que cruel

te obriga a padecer em situação precária.


Lutai altivo, corajoso, esperto

pois só verás o teu País liberto

se conseguires a reforma agrária”

A complexidade da obra de Patativa é evidente também pela sua capacidade de criar versos tanto nos moldes camonianos (inclusive sonetos na forma clássica), como poesia de rima e métrica populares (por exemplo, a décima e a sextilha nordestina). Ele próprio diferenciava seus versos feitos em linguagem culta daqueles em linguagem do dia-a-dia (denominada por ele de poesia “matuta”).

“Só canto o buliço

da vida apertada,

da lida pesada

das roças ou dos eito.

E as vez recordando

a feliz mocidade,

canto uma sodade

que mora em meu peito”

Patativa nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou (Cariri) no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade.
Certa vez ( já com 91 anos de idade), foi perguntado se sentia medo da morte?
Ele respondeu galantemente com um verso novo, recém criado, demonstrando ser ainda um ótimo improvisador:

“Cachingando, cego e surdo

Sem ver e sem está ouvindo

pra mim não é absurdo.

Vou meu caminho seguindo.


Nunca pensei em morrer

Quem morre cumpre um dever.

Quando chegar o meu fim

Eu sei que a terra me come,

mas fica vivo o meu nome

para os que gostam de mim”

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