quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

STJ MANDA PREFEITO - PARA O BANCO DOS RÉUS

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
BAIXADA URGENTE
Depois de Arruda e Kassab, quem agora está às voltas com a Justiça é o prefeito de Duque de Caxias. Depois de paralisado desde 2004 em conseqüência de um Habeas Corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu cassar o Habeas Corpus e determinar o prosseguimento da Ação, em que o MP pede a condenação dos réus por crimes de improbidade administrativa, enriquecimento ilícito e corrupção ativa e passiva. O habeas corpus concedido a Zito trancou, por mais de 5 anos, o andamento da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual contra o prefeito de Duque de Caxias, além dos ex secretários Waldir Zito e Ilmar Moutinho Nunes, bem como diversos empresários, suspeitos de fraudar a legislação sobe licitação. A ação foi ajuizada perante o Juízo da 4ª Vara Cível (Processo nº 2003.021.006317-3) epois que o MP, em quase dois anos de investigações, levantou indícios de que a contratação da empresa WKR para a coleta de lixo no primeiro governo de Zito fora fraudado com a conivência dos então Secretários de Serviço Público, Waldir Zito, e de Obras, Ilmar Moutinho Nunes, além da participação de sócios de outras empresas do ramo, que participaram da simulação de uma licitação..,
O relator do Recurso Especial nº 669.010 – RJ 2004/0076011-8, Ministro Arnaldo Esteves Lima, depois de ressaltar que o HC não era o remédio legal para trancar uma ação penal, reconheceu que o inquérito policial, por ser meramente informativo, não é pressuposto para o oferecimento de denúncia, que pode estar fundada em outros elementos, que foram coletados pelo MP, inclusive fotos de caminhões das empresas que participaram, como concorrentes, de uma suposta licitação, estacionados num pátio na Av. República do Paraquai, no bairro Sarapuíí, pertencente à WKR. Para conseguir o trancamento da Ação Civil, os advogados do prefeito alegaram que as provas levantadas pelo MP, numa investigação que durou cerca de dois anos, não tinha amparo legal, o que o STJ negou..
Agora, a Ação Penal contra Zito e seus principais auxiliares, com cerca de 10 mil páginas, deverá seguir seu curso normal. Na lista de acusados estão os ex secretários Waldir Zito, Ilmar Moutinho Nunes, as empresas Locanty Com. Serviços Ltda, Minelimp Comercio e Serviços Ambientais Ltda , Avl Um Engenharia Ltda, Vogorito Gomide Engenharia Ltda, além dos sócios das empresas envolvidas, como João Alberto Felippo Barreto , Pedro Ernesto Barreto , Maria Felipe, Luiz Carlos de Oliveira, Luiz Antonio da Silva Valente, Adalberto da Silva Valente, Wagner Vigorito Gomide, Nize Vigorito Gomes Braga

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3

Aprova o e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Fica aprovado o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3, em consonância com as diretrizes, objetivos estratégicos e ações programáticas estabelecidos, na forma do Anexo deste Decreto.

Art. 2o O PNDH-3 será implementado de acordo com os seguintes eixos orientadores e suas respectivas diretrizes:

I - Eixo Orientador I: Interação democrática entre Estado e sociedade civil:

a) Diretriz 1: Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa;

b) Diretriz 2: Fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática; e

c) Diretriz 3: Integração e ampliação dos sistemas de informações em Direitos Humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação;

II - Eixo Orientador II: Desenvolvimento e Direitos Humanos:

a) Diretriz 4: Efetivação de modelo de desenvolvimento sustentável, com inclusão social e econômica, ambientalmente equilibrado e tecnologicamente responsável, cultural e regionalmente diverso, participativo e não discriminatório;

b) Diretriz 5: Valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento; e

c) Diretriz 6: Promover e proteger os direitos ambientais como Direitos Humanos, incluindo as gerações futuras como sujeitos de direitos;

III - Eixo Orientador III: Universalizar direitos em um contexto de desigualdades:

a) Diretriz 7: Garantia dos Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena;

b) Diretriz 8: Promoção dos direitos de crianças e adolescentes para o seu desenvolvimento integral, de forma não discriminatória, assegurando seu direito de opinião e participação;

c) Diretriz 9: Combate às desigualdades estruturais; e

d) Diretriz 10: Garantia da igualdade na diversidade;

IV - Eixo Orientador IV: Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência:

a) Diretriz 11: Democratização e modernização do sistema de segurança pública;

b) Diretriz 12: Transparência e participação popular no sistema de segurança pública e justiça criminal;

c) Diretriz 13: Prevenção da violência e da criminalidade e profissionalização da investigação de atos criminosos;

d) Diretriz 14: Combate à violência institucional, com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária;

e) Diretriz 15: Garantia dos direitos das vítimas de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas;

f) Diretriz 16: Modernização da política de execução penal, priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário; e

g) Diretriz 17: Promoção de sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa de direitos;

V - Eixo Orientador V: Educação e Cultura em Direitos Humanos:

a) Diretriz 18: Efetivação das diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em Direitos Humanos para fortalecer uma cultura de direitos;

b) Diretriz 19: Fortalecimento dos princípios da democracia e dos Direitos Humanos nos sistemas de educação básica, nas instituições de ensino superior e nas instituições formadoras;

c) Diretriz 20: Reconhecimento da educação não formal como espaço de defesa e promoção dos Direitos Humanos;

d) Diretriz 21: Promoção da Educação em Direitos Humanos no serviço público; e

e) Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos; e

VI - Eixo Orientador VI: Direito à Memória e à Verdade:

a) Diretriz 23: Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado;

b) Diretriz 24: Preservação da memória histórica e construção pública da verdade; e

c) Diretriz 25: Modernização da legislação relacionada com promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia.

Parágrafo único. A implementação do PNDH-3, além dos responsáveis nele indicados, envolve parcerias com outros órgãos federais relacionados com os temas tratados nos eixos orientadores e suas diretrizes.

Art. 3o As metas, prazos e recursos necessários para a implementação do PNDH-3 serão definidos e aprovados em Planos de Ação de Direitos Humanos bianuais.

Art. 4o Fica instituído o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3, com a finalidade de:

I - promover a articulação entre os órgãos e entidades envolvidos na implementação das suas ações programáticas;

II - elaborar os Planos de Ação dos Direitos Humanos;

III - estabelecer indicadores para o acompanhamento, monitoramento e avaliação dos Planos de Ação dos Direitos Humanos;

IV - acompanhar a implementação das ações e recomendações; e

V - elaborar e aprovar seu regimento interno.

§ 1o O Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3 será integrado por um representante e respectivo suplente de cada órgão a seguir descrito, indicados pelos respectivos titulares:

I - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, que o coordenará;

II - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República;

III - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República;

IV - Secretaria-Geral da Presidência da República;

V - Ministério da Cultura;

VI - Ministério da Educação;

VII - Ministério da Justiça;

VIII - Ministério da Pesca e Aqüicultura;

IX - Ministério da Previdência Social;

X - Ministério da Saúde;

XI - Ministério das Cidades;

XII - Ministério das Comunicações;

XIII - Ministério das Relações Exteriores;

XIV - Ministério do Desenvolvimento Agrário;

XV - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;

XVI - Ministério do Esporte;

XVII - Ministério do Meio Ambiente;

XVIII - Ministério do Trabalho e Emprego;

XIX - Ministério do Turismo;

XX - Ministério da Ciência e Tecnologia; e

XXI - Ministério de Minas e Energia.

§ 2o O Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República designará os representantes do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3.

§ 3o O Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3 poderá constituir subcomitês temáticos para a execução de suas atividades, que poderão contar com a participação de representantes de outros órgãos do Governo Federal.

§ 4o O Comitê convidará representantes dos demais Poderes, da sociedade civil e dos entes federados para participarem de suas reuniões e atividades.

Art. 5o Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os órgãos do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público, serão convidados a aderir ao PNDH-3.

Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 7o Fica revogado o Decreto no 4.229, de 13 de maio de 2002.

Brasília, 21 de dezembro de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O primeiro milagre do heliocentrismo

Como proteger-se do poder do Estado? Esse, que é um dos temas capitais da ciência política, já consumiu muita tinta e derrubou vários acres de florestas. A descrição mais clássica é a de Thomas Hobbes, para quem o Estado é um monstro feroz, um Leviatã, que, apesar de promover todo tipo de abuso, justifica-se por proteger os indivíduos da guerra de todos contra todos que configura o estado de natureza. Enquanto o poder público, leia-se, o soberano, garante a vida de seus súditos, devemos-lhe obediência total, o que inclui aceder aos menores caprichos e tolerar as piores injustiças. É só quando o soberano nos condena à morte, isto é, quando deixa de assegurar-nos a existência, que temos o direito de rebelar-nos contra sua autoridade.

OK. Admito que não é um cenário muito idílico. Mas tampouco o era a Inglaterra sob a guerra civil no século 17. De lá para cá, as coisas melhoraram bastante, pelo menos neste cantinho de mundo que chamamos de Ocidente democrático. Embora o poder do Estado ainda seja algo a temer, contamos hoje com um rol de direitos e garantias fundamentais que são geralmente observados. Quando não o são, podemos gritar e espernear. Na pior das hipóteses, já não precisamos ser condenados à morte para conquistar o direito de revolta.

Mais até, em determinadas circunstâncias o Estado pode ser considerado um aliado, que promove ativamente o bem-estar através de instituições como a Previdência social e serviços de educação e saúde.

Fiz essa longa introdução, que em jornalismo chamaríamos de nariz de cera, para propor uma discussão que julgo importante: em que nível devem materializar-se essas garantias fundamentais? Elas dizem respeito a indivíduos ou a grupos? É possível conceder benefícios a setores específicos?

Coloco essas questões a propósito da isenção de impostos para igrejas, que foi tema de reportagem de minha autoria publicada na edição de domingo da Folha de S.Paulo (quem tiver acesso à edição digital poderá conferir também a arte, que não é disponibilizada através do link). Para quem não é assinante de nada ou não está com paciência de ficar singrando hipertextos, faço um rápido resumo da matéria.

Eu, Claudio Angelo, editor de Ciência da Folha, e Rafael Garcia, repórter do jornal, decidimos abrir uma igreja. Com o auxílio técnico do departamento Jurídico da Folha e do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo Gasparian Advogados, fizemo-lo. Precisamos apenas de R$ 418,42 em taxas e emolumentos e de cinco dias úteis (não consecutivos). É tudo muito simples. Não existem requisitos teológicos ou doutrinários para criar um culto religioso. Tampouco se exige número mínimo de fiéis.

Com o registro da Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio e seu CNPJ, pudemos abrir uma conta bancária na qual realizamos aplicações financeiras isentas de IR e IOF. Mas esses não são os únicos benefícios fiscais da empreitada. Nos termos do artigo 150 da Constituição, templos de qualquer culto são imunes a todos os impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços relacionados com suas finalidades essenciais, as quais são definidas pelos próprios criadores. Ou seja, se levássemos a coisa adiante, poderíamos nos livrar de IPVA, IPTU, ISS, ITR e vários outros "Is" de bens colocados em nome da igreja.

Há também vantagens extratributárias. Os templos são livres para se organizarem como bem entenderem, o que inclui escolher seus sacerdotes. Uma vez ungidos, eles adquirem privilégios como a isenção do serviço militar obrigatório (já sagrei meus filhos Ian e David ministros religiosos) e direito a prisão especial.

A discussão pública relevante aqui é se faz ou não sentido conceder tantas regalias a grupos religiosos. Não há dúvida de que a liberdade de culto é um direito a preservar de forma veemente. Trata-se, afinal, de uma extensão da liberdade de pensamento e de expressão. Sem elas, nem ao menos podemos falar em democracia.

Em princípio, a imunidade tributária para igrejas surge como um reforço a essa liberdade religiosa. O pressuposto é o de que seria relativamente fácil para um governante esmagar com taxas o culto de que ele não gostasse.

Esse é um raciocínio que fica melhor no papel do que na realidade. É claro que o poder de tributar ilimitadamente pode destruir não apenas religiões, mas qualquer atividade. Nesse caso, cabe perguntar: por que proteger apenas as religiões e não todas as pessoas e associações? Bem, a Constituição em certa medida já o fez, quando criou mecanismos de proteção que valem para todos, como os princípios da anterioridade e da não cumulatividade ou a proibição de impostos que tenham caráter confiscatório.

Será que templos de fato precisam de proteções adicionais? Até acho que precisavam em eras já passadas, nas quais não era inverossímil que o Estado se aliasse à então religião oficial para asfixiar economicamente cultos rivais. Acredito, porém, que esse raciocínio não se aplique mais, de vez que já não existe no Brasil religião oficial e seria constitucionalmente impossível tributar um templo deixando o outro livre do gravame.

No mais, mesmo que considerássemos a imunidade tributária a igrejas essencial, em sua presente forma ela é bem imperfeita, pois as protege apenas de impostos, mas não de taxas e contribuições. Ora, até para evitar a divisão de receitas com Estados e municípios, as mais recentes investidas da União têm se materializado justamente na forma de contribuições. Minha sensação é a de que a imunidade tributária se tornou uma espécie de relíquia dispensável.

Está aí o primeiro milagre do heliocentrismo: não é todo dia que uma igreja se sacrifica dessa forma, advogando pela extinção de vantagens das quais se beneficia.

Sei que estou pregando no deserto, mas o Brasil precisaria urgentemente livrar-se de certos maus hábitos, cujas origens podem ser traçadas ao feudalismo e ao fascismo, e enfim converter-se numa República de iguais, nas quais as pessoas sejam titulares de direitos porque são cidadãs, não porque pertençam a esta ou aquela categoria profissional ou porque tenham nascido em berço esplêndido. O mesmo deve valer para associações. Até por imperativos aritméticos, sempre que se concede uma prebenda fiscal a um dado grupo, onera-se imediatamente todos os que não fazem parte daquele clube. Não é demais lembrar que o princípio da solidariedade tributária também é um dos fundamentos da República.

Carta aberta ao ministro Paulo Vannuchi

Emiliano José

Caríssimo companheiro e amigo Paulo Vannuchi,

Nesses dias tempestuosos gostaria de tê-lo abraçado pessoalmente,
transmitir-lhe meu apreço, minha amizade e minha mais absoluta
solidariedade. Não foi possível, no entanto. Estou lhe escrevendo
agora, no momento em que a poeira baixou, sei que momentaneamente.
Todo esse barulho em torno do Plano Nacional de Direitos Humanos tem
objetivos definidos, não carrega qualquer inocência, faz parte da dura
luta política que enfrentamos no Brasil.

Nós, da esquerda, às vezes acreditamos que o caminho está livre. Que
somos atores solitários, que a história conspira a nosso favor. Não
conspira. A história é feita por homens e mulheres, sob circunstâncias
concretas. Sei que você sabe disso, mas o óbvio ajuda. Aqui estamos
nós no Brasil enfrentando a discussão de um plano elaborado
democraticamente, numa vasta conferência nacional. E a direita toda se
assanha, e ministros se assanham, e parece que o mundo vem abaixo se
for implantada a Comissão da Verdade.
E eu trato apenas disso, nessa carta. Não dos outros pontos ditos polêmicos.
Os que fizeram a ditadura e seus defensores acreditam ser possível
jogar para debaixo do tapete os crimes do período. Às vezes, pode até
parecer, para os que conhecem pouco de nossa história, que havia uma
luta entre um regime legal e seus opositores. Uma luta de iguais. A
mídia trabalhou de tal modo esse episódio que pode existir quem tenha
duvidado da existência de uma ditadura sanguinária no Brasil. Você,
eu, milhares de companheiros estamos todos loucos ao falar das
torturas. Parece isso.
Não houve uma ditadura que prendeu, torturou, matou. Não houve uma
ditadura que empalou pessoas, que assassinou homens e mulheres
covardemente, que levou tantos ao suicídio, que cortou cabeças, que
torturou crianças, que fez desaparecer mais de uma centena de seres
humanos. É, o barulho midiático, alicerçado em fontes da direita,
pretende que exageramos em nossas denúncias.
E nós, como diria Gramsci, não precisamos mais do que a verdade. Só
precisamos dela. Por isso, Comissão da Verdade. Centenas de
companheiros assassinados covardemente, brutalmente, de modo torpe, e
somos obrigados a ouvir uma cantilena que naturaliza, que absolve a
ditadura e quer porque quer perdoar os seus torturadores e assassinos.

Nenhuma anistia pode, de modo nenhum, perdoar torturadores e
assassinos. Aqueles que foram presos pelo Estado têm que ser
protegidos por ele. Sequer a legislação da ditadura admitia a tortura.
Tanto que seus ministros – poderíamos nos lembrar de Alfredo Buzaid,
da Justiça, insistindo na inexistência da tortura – negavam de pés
juntos que houvesse tortura no Brasil. Isso configuraria crime até
mesmo pela legislação daquele regime de terror. Se pretender levar
torturadores e assassinos a julgamento significa rever a lei da
Anistia, então estamos propondo a revisão dela. Mas não é disso que se
trata propriamente.

Trata-se, para os objetivos da Comissão da Verdade, de apurar todas as
violações dos direitos humanos ocorridas durante a ditadura, entre
1964 e 1985. E apuradas, os torturadores e assassinos seriam julgados,
com todo direito a defesa, como é do rito democrático, pelo poder
judiciário, podendo ou não ser condenados. É isso que você tem
defendido, corretamente. Caberia dizer que nós, os que combatemos a
ditadura, fomos sempre julgados, quando sobrevivemos, por juízes
militares, e os julgamentos evidentemente nunca foram imparciais.

Dizem que assim estamos atacando as Forças Armadas. Sabidamente, não é
esse o objetivo da Comissão da Verdade. O que não se pode, no entanto,
é desconhecer que as Forças Armadas, por seus oficiais, mandaram
torturar, matar, seqüestrar, desaparecer pessoas, e sempre,
insista-se, de forma covarde. Afinal, regra geral, matavam pessoas
indefesas, já presas, já submetidas. Isso não poderá ser apagado da
história. Essa mancha de sangue elas carregam. Melhor que se esclareça
tudo do período para que, então, as nossas Forças Armadas possam
cumprir suas atribuições constitucionais sob o Estado democrático.

Tenho insistido que não adianta alisar a ferida. É como se os mortos
nos cobrassem. Como se os desaparecidos nos lembrassem. Não dá para
apagar tantos crimes de nossa memória. Enquanto isso tudo não for
esclarecido, sempre o assunto voltará, queira a nossa direita ou não.

Por que os tantos países latino-americanos que enfrentaram ditaduras
puderam fazer um processo tão claro, julgar e prender seus assassinos,
seus Pinochet, e nós temos que passar por cima de tudo, como se nada
tivesse acontecido? Essa exigência vem do fundo da consciência
humanitária do País, vem daqueles que não aceitam a tortura, sob
nenhum argumento, e que a consideram crime imprescritível, assim como
o assassinato dentro das prisões e o desaparecimento de pessoas.

Sei, ministro, que chegou a ser utilizado o argumento de que, assim
sendo, instalada a Comissão da Verdade, também deveriam ser julgados
os que combateram a ditadura. Devagar com o andor que o santo é de
barro. Ou, como sempre gosto, recorro a Paulinho da Viola: tá legal,
eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim.

Primeiro, caro ministro, amigo e companheiro, cabe dizer a esses
ensandecidos, que nós, ao combater a ditadura, o fazíamos como
legítimo direito, o direito de combater um regime espúrio, ilegal, que
se instalou por um golpe, que derrubou pela violência um governo
democrático. É do direito dos cidadãos de todo o mundo opor-se a
golpes militares. Nós não vivíamos, como óbvio, sob um Estado
democrático, mas sob uma ditadura.

Segundo, nós já fomos julgados. Você, eu, tantas centenas de outros,
que passamos anos nas prisões da ditadura, sabemos disso. Que diabos
ainda querem? Enfrentamos tortura, julgamentos espúrios, e depois
seríamos julgados de novo? Isso corresponderia, tenho dito com
freqüência, a colocar no banco dos réus do Tribunal de Nuremberg
aqueles que conseguiram sair vivos dos campos de concentração
nazistas.

O que me alegra em tudo isso é ver como a história anda.

Quando imaginaríamos, quando presos, ter um ministro como você? Com
essa firmeza e serenidade? Com essa integridade de princípios? Com
essa solidariedade aos que ficaram pelo caminho, trucidados pela
ditadura?

Claro, poderíamos ir além, e dizer que não pensávamos também ter um
presidente vindo das classes trabalhadoras, um operário com esse
discernimento político, com esse compromisso com o povo brasileiro.
Mas eu quero me deter em você, na sua coerência.

Você ouve o lamento das famílias dos desaparecidos, dos que foram
assassinados, dos que foram massacrados. Você, alçado à condição
ministerial, consegue manter-se sensível, atento aos companheiros de
caminhada, para além da posição política. Eu confesso sentir orgulho
de o governo Lula contar com um ministro dessa estatura, com esse grau
de compromisso com a humanidade, porque é disso que se trata.

Sem qualquer arrogância, digo com tranqüilidade que nós não
descansaremos. Não há hipótese de essa história ser jogada para
debaixo do tapete, não há jeito de alisar a ferida. As monstruosidades
da ditadura, os assassinos e torturadores não podem ser perdoados.
Toda a verdade deve vir à tona. Enquanto não vem, ela permanece como
um espectro sobre a Nação.

À medida que a verdade apareça, que os julgamentos ocorram, então a
sociedade brasileira pode seguir sua trajetória democrática sem o
espectro da ditadura. Enquanto isso não ocorre, o assunto estará
sempre presente. Ele é parte de nossa história. Nós queremos que o sol
da verdade o ilumine. E volto a dizer que me orgulho de vê-lo firme e
sereno nessa luta. Conte sempre comigo.

Grande abraço.

Emiliano José