DIEESE
Argumentos para a discussão da redução da jornada de trabalho no Brasil sem redução do salário
Em resposta às pressões exercidas pelas centrais sindicais brasileiras, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 231-A, prevendo a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais sem redução de salários. Além disso, prevê que o trabalho extraordinário deve ser remunerado com acréscimo de, no mínimo, 75% sobre o valor da hora normal.
O Dieese vem participando da campanha pela Redução da Jornada de Trabalho sem Redução de Salário, principalmente através da produção de estudos sobre o tema. As notas que seguem, baseadas nestes estudos, discutem três principais linhas de argumentação em prol da redução da jornada.
1. A jornada de trabalho no Brasil é extensa, intensiva e altamente flexível
A redução da jornada de trabalho pode apresentar-se como um dos instrumentos para assegurar a geração de novos postos de trabalho e a conseqüente redução das altas taxas de desemprego. A idéia-força que sustenta tal argumentação é de que “todos trabalhem um pouco menos, para que um número maior de pessoas possa trabalhar”.
Convém chamar a atenção para o fato de que a jornada normal de trabalho no Brasil é uma das mais extensas entre as principais economias do mundo: 44 semanais desde 1988. Além disso, não há limite semanal, mensal ou anual para a execução de horas extras, o que torna a sua utilização muito elevada, levando o tempo total de trabalho no Brasil a ser um dos mais extensos em comparação com outros países.
O tempo de trabalho total, além de extenso, está cada vez mais intenso, devido à adoção de inovações técnico-organizacionais pelas empresas (com o estímulo à polivalência e à competição entre os grupos de trabalho e o uso do just in time, das metas, da redução das pausas e da implementação do banco de horas).
Por outro lado, desde o final dos anos 1990, verifica-se, no Brasil, um aumento da flexibilização do tempo de trabalho, com introdução da jornada em tempo parcial, do banco de horas e o trabalho aos domingos. Em função das jornadas extensas, intensas e imprevisíveis, os trabalhadores têm ficado cada vez mais expostos a doenças como estresse, depressão, hipertensão, distúrbios no sono e lesões por esforços repetitivos.
2. A economia brasileira revela grande capacidade de absorção do impacto da redução da jornada, em virtude do crescimento da produtividade do trabalho, nos anos recentes
O desempenho da economia brasileira, no período recente, apresenta condições favoráveis para a redução da jornada de trabalho e limitação da hora extra, em virtude do crescimento econômico nos últimos cinco anos e das perspectivas positivas para os próximos anos, apesar da crise internacional.
Conforme dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 1999, a participação dos salários no custo da indústria de transformação era de 22%, em média. Com base nestes números, uma redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais (de 9,09%) teria um impacto, momentâneo, no custo total de produção de apenas 1,99%. Este percentual torna-se irrisório se considerarmos que o aumento da produtividade da indústria, entre 1990 e 2000, foi de 113% e, nos primeiros anos do século XXI, atingiram 27%. Portanto, o grande aumento de produtividade alcançado desde 1988 (última redução da jornada de trabalho no Brasil) mostra-se mais do que suficiente para absorver o impacto da redução da jornada de trabalho sobre os custos de produção.
Além dos ganhos de produtividade verificados no período recente e que devem seguir no futuro, a redução da jornada de trabalho pode ser estímulo adicional para a busca de novos ganhos de produtividade formando, assim, um círculo virtuoso.
3. O direito ao tempo livre e à melhoria da qualidade de vida
Sendo necessárias cada vez menos horas de trabalho para produzir a mesma quantidade de mercadorias, a sociedade fica diante da opção entre transformar essa redução do tempo de trabalho em queima de postos de trabalho ou em redução da jornada, como uma forma de distribuição de renda.
Além do tempo gasto no local de trabalho (em torno de 11 horas: sendo 8 de jornada normal, 2 de hora extra e 1 de almoço), há ainda os tempos dedicados ao trabalho, mesmo que fora do local de trabalho, entre eles o tempo de deslocamento entre casa e trabalho; o tempo utilizado nos cursos de qualificação, cada vez mais demandados pelas empresas e realizados, geralmente, fora da jornada de trabalho; e o tempo utilizado na execução de tarefas fora do tempo e do local de trabalho.
Logo, em função do grande tempo ocupado direta e indiretamente com o trabalho, sobra pouco tempo livre para o repouso, o lazer, os estudos e o convívio familiar e social/comunitário.
O uso das diversas formas de flexibilização do tempo de trabalho abre espaço para o empregador avançar, cada vez mais, sobre o tempo de vida do trabalhador. Desta maneira, a redução da jornada de trabalho apresenta-se como um mecanismo em favor do resgate, mesmo que parcial, do controle pelo próprio trabalhador sobre o seu tempo de vida e da liberdade de decidir sobre o melhor uso de seu tempo livre.
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