O homem que roubou o Natal de Jesus (Cynara Menezes)
No shopping
próximo à minha casa, o tema da decoração de Natal é “a floresta
encantada de Papai Noel”. Juro que procurei entre as folhagens de
plástico, as girafas de pelúcia e os chimpanzés músicos para ver se o
achava, mas não encontrei Jesus. Nada de Maria, José, do anjo, dos reis
Magos e das cabras, bois e vacas. Nada que se assemelhasse a uma
manjedoura. Enfim, nada de Natal na decoração de Natal.
Fiquei pensando quando foi que o menino Jesus deixou de ser protagonista
de sua própria festa de aniversário. Jesus, o profeta a quem, pelo
menos nas estatísticas, um terço da humanidade dedica sua fé, faz uma
ponta no Natal hoje em dia. A figura central, a grande estrela da maior
festa do mundo cristão é um velho barbudo de aparência nórdica que só
criancinhas acreditam que exista. E, aparentemente, ninguém está nem aí.
O Natal é uma verdadeira cilada. TVs, jornais, familiares, tudo conspira
para que você se sinta tomado pelo “espírito natalino”, que se traduz
em: se meter em shoppings abarrotados de gente para comprar coisas que
sairiam pela metade do preço no mês seguinte. Mesmo que você não queira
participar, é obrigado a seguir o fluxo porque não quer que seus filhos
cresçam traumatizados por não ganhar presente quando todo mundo recebe
–do Papai Noel, claro, aquele gordinho que espera o ano todo por este
bico, suarento debaixo da roupa vermelha e da barba branca em pleno
verão brasileiro.
Aliás, a disparidade entre o que se construiu como “Natal” no hemisfério
Norte e a realidade dos trópicos é um mico à parte. Bonecos de neve de
feltro, de gorro, cachecol e cenoura no lugar do nariz, se espalham pelo
País e tomam de assalto até as repartições públicas, enquanto as
secretárias se abanam de calor. O “jeitinho” brasileiro se desdobra para
recriar a atmosfera gélida, condição sine qua non para que o “espírito
natalino” baixe, e dá-lhe neve de pipoca, de isopor, de algodão… Tenho
certeza que nunca seremos uma nação de fato enquanto precisarmos
macaquear um clima que não é nosso para conseguir algo tão singelo
quanto o congraçamento familiar.
Não conheço nenhuma festa religiosa no mundo cujas principais
manifestações sejam gastar muito dinheiro, comer para caramba e encher a
cara. A festa máxima dos cristãos é a festa religiosa mais capitalista
do planeta. E olhem que a mensagem de Cristo era o exato oposto. Não foi
o filho de Deus quem expulsou os vendilhões do templo? Não foi ele quem
disse que “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do
que um rico entrar no reino dos céus”? Quer mensagem menos capitalista
do que esta?
Mas falar dessas coisas é querer estragar a festa, quebrar a “magia” do
Natal –muito embora a única visível seja o mágico tilintar das caixas
registradoras. Para o comércio, a data é uma bênção. Para as igrejas, o
mundo do dinheiro nunca foi exatamente um incômodo e pode, afinal de
contas, render belos donativos. Tampouco parece ser um empecilho que os
fiéis gastem todo o 13º salário e se endividem em compras, porque depois
engrossarão as fileiras dos que procuram as casas de Deus em busca de
conforto não para os flagelos da alma, mas do bolso.
Tem igrejas pentecostais que vivem disso, de oferecer aos crédulos a
superação das dívidas financeiras e o sucesso econômico através do poder
de Deus. De que lhes serviria abrir os olhos dos fiéis e pregar que o
Natal não é sinônimo de gastança? Deixa quieto, Papai Noel é bem mais
conveniente que Jesus, até porque não fere suscetibilidades. Sem essa de
rico não poder entrar no reino dos céus: seja rico ou seja pobre o
velhinho sempre vem, não é mesmo? “Compre, compre. Ho, ho, ho”.
Meu lado cristão se revolta de ver que o Natal se transformou nessa
pseudo festa religiosa, vazia de significado espiritual. Em vez de se
incomodar com a vida íntima do próximo, de tentar interferir na
orientação sexual do semelhante ou de se empenhar em lutas surreais como
a cruzada contra a proteção da camisinha, as igrejas cristãs deviam se
dedicar a repensar sua festa mais importante. Se os cristãos fossem de
fato cristãos, tinham de estar preocupados que o nascimento de Jesus
perdeu o lugar para o consumismo que o Papai Noel representa. Tentar
resgatar a mensagem do Natal: esta, sim, seria uma luta de fato
agregadora, digna da data e do aniversariante.
Dá para começar em casa, montando o presépio com as crianças como
aconteceu no passado e, no mínimo, explicar a elas que o dono da festa
não é o Papai Noel, que não é por causa dele que o Natal existe. Quantos
cristãos fazem isso?
Boas festas a todos.